quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

SISTEMA ESCOLAR

COMPONENTES BUROCRÁTICOS DOS SISTEMAS ESCOLARES (1)

Peter M. Blau

(...) A BUROCRACIA NÃO É um fenômeno recente. Existiu em formas rudimentares há milhares de anos, no Egito e em Roma. Mas a tendência para a burocratização aumentou muito durante o último século. Na sociedade contemporânea, a burocracia tornou-se uma instituição dominante - na verdade, a instituição que exprime a era moderna. Se não compreendermos esta forma institucional, não podemos entender a vida social atual.

A enorme extensão das nações modernas e de suas organizações internas é um fator da expansão da burocracia. Em períodos anteriores, em sua maioria os países eram pequenos e mesmo os grandes tinham apenas uma fraca administração central, e havia poucas organizações formais, exceto o governo. As nações modernas contam com muitos milhões de cidadãos, grandes exércitos, corporações gigantescas, sindicatos enormes e um grande número de amplas associações voluntárias (1). Certamente, extensão não é sinônimo de organização burocrática. Entretanto, os problemas colocados pela administração em larga escala tendem a conduzir à burocratização. Na realidade, as grandes organizações que persistiram por mais tempo na Antiguidade e mesmo sobreviveram a esse período, o Império Romano e a Igreja Católica, estavam completamente burocratizadas.

Nos Estados Unidos, dados estatísticos sobre emprego ilustram a tendência para as amplas organizações burocráticas. O governo federal empregou 8000 funcionários civis em 1820, um quarto de milhão há 50 anos e 10 vezes esse número atualmente. Se se acrescentam os homens em serviço militar, quase 10% da força de trabalho norte-americana, seis milhões de pessoas, estão a serviço do governo federal. Ainda maior é o número dos que trabalham em empresas particulares de grande escala, sendo exemplo extremo o da American Telegraph Company com 3/4 de um milhão de empregados. Mais de 3/4 dos empregados no trabalho manufatureiro estão em firmas com cem ou mais empregados; e mesmo no comércio varejista, o baluarte dos pequenos empreendimentos privados, 1/6 de todos os empregados trabalha para firmas desse tamanho.

Uma grande e crescente proporção do povo norte-americano passa sua vida de trabalho como pequenas peças nos complexos mecanismos das organizações burocráticas. E isso não é tudo, pois as burocracias afetam também outros aspectos de nossa vida. A agência de empregos que procuramos para conseguir colocação profissional e o sindicato ao qual nos filiamos para proteger esse mesmo trabalho ou ocupação; o supermercado e a cadeia de lojas onde compramos, a escola que nossos filhos freqüentam e os partidos políticos em cujos candidatos votamos; a fraternidade (3) onde nos divertimos e a igreja onde prestamos culto - todas essas são, quase sempre, grandes organizações do tipo que tende a ser burocraticamente organizada (...). As principais características de uma estrutura burocrática, no caso "típico-ideal" (4), segundo WEBER, são as seguintes:

  1. "As atividades regulares necessárias às finalidades da organização são distribuídas de maneira fixa, como deveres 'oficiais' (5). A nítida divisão do trabalho torna possível empregar apenas pessoas especializadas em cada posição determinada e tornar cada uma delas responsável pela eficaz realização de seus deveres. Esse alto grau de especialização tornou-se de tal forma parte de nossa vida socioeconômica, que tendemos a esquecer que ele não prevaleceu em épocas passadas e que se trata de uma inovação relativamente recente.
  2. "A organização dos cargos segue o princípio de hierarquia isto é, cada cargo está sob o controle e supervisão de outro mais elevado" (6). Cada funcionário desta hierarquia administrativa é responsável, perante seu superior, pelas decisões e ações de seus subordinados, assim como pelas suas próprias. Para ser capaz de desempenhar sua responsabilidade pelo trabalho dos subordinados, ele possui autoridade sobre estes - o que significa que tem o direito de emitir ordens, que os subordinados têm o dever de obedecer. Essa autoridade é estritamente circunscrita e confiada àquelas orientações que são relevantes às atividades ligadas ao cargo. O uso das prerrogativas do cargo, para estender além de tais limites o poder de controle sobre os subordinados, não constitui exercício legítimo da autoridade burocrática.
  3. As operações são orientadas "por um sistema coerente de regras abstratas e consistem na aplicação destas regras a casos particulares" (7). Este sistema de normas é destinado a assegurar uniformidade na organização de cada tarefa, independentemente do numero de pessoas nesta engajadas, bem como a coordenação das diferentes tarefas. Portanto, as regras e regulamentos explícitos definem a responsabilidade de cada membro da organização e as relações entre eles. Isso não implica que os deveres burocráticos sejam necessariamente simples e rotineiros. É preciso lembrar que a adesão estrita a normas gerais para decidir-se sobre casos específicos caracteriza não apenas o trabalho do encarregado do fichário, mas também aquele da Suprema Corte de Justiça. Para o primeiro, isso pode envolver, meramente, o arquivamento em ordem alfabética; para o segundo, implica interpretar a lei do país ou estado, a fim de configurar juridicamente os casos legais mais complicados. As obrigações burocráticas distribuem-se, quanto à complexidade, de um a outro desses extremos.
  4. "O funcionário ideal desempenha o seu cargo com um espírito de impessoalidade formalista, 'Sine ira et studio', sem ódio ou paixão, e, portanto, sem afeição ou entusiasmo (8). Para que os padrões racionais governem as atividades sem a interferência de considerações pessoais, deve prevalecer dentro da organização - e especialmente para com os clientes - um tratamento imparcial ou desinteressado. Se um funcionário desenvolve fortes sentimentos para com alguns subordinados ou clientes, dificilmente ele pode evitar que tais sentimentos influenciem suas decisões 'oficiais'. Em conseqüência, e freqüentemente sem que ele esteja ciente disso, pode ser particularmente tolerante ao avaliar o trabalho de um de seus subordinados ou pode discriminar contra alguns clientes e em favor de outros. A exclusão de considerações pessoais dos assuntos 'oficiais' constitui um pré-requisito para a imparcialidade, bem como para a eficiência. Os mesmos fatores que tornam um burocrata governamental impopular entre seus clientes, com sua atitude de distância e uma falta de identificação com os problemas pessoais destes, beneficiam, na realidade, esses mesmos clientes. Imparcialidade e ausência de interesses pessoais caminham juntos. O funcionário que não mantém distância social e se torna pessoalmente interessado nos casos de seus clientes tende a ser parcial em seu tratamento para com estes, favorecendo quem ele prefere. O desapego impessoal gera tratamento eqüitativo para com todas as pessoas e, assim, promove a democracia na administração.
  5. O emprego na organização burocrática é baseado em qualificações técnicas e protegido contra a demissão arbitrária. "Ele constitui uma carreira. Há um sistema de promoções de acordo com a antiguidade no emprego ou o rendimento no trabalho, ou ambos" (9). Essas 'políticas' de pessoal, que são encontradas não apenas no serviço público, mas também em muitas companhias privadas, encorajam o desenvolvimento da lealdade para com a organização e o esprit de corps entre seus membros. A conseqüente identificação dos empregados com a organização motiva-os a realizarem maiores esforços para a consecução dos interesses desta. Pode também dar lugar a uma tendência para tais empregados pensarem em si próprios como uma classe à parte e superior ao resto da sociedade. Entre os funcionários públicos civis, essa tendência tem sido mais acentuada na Europa especialmente na Alemanha, do que nos Estados Unidos; mas, entre os funcionários militares, pode ser encontrada também nesta última nação.
  6. "A experiência tende, universalmente, a mostrar que o tipo puramente burocrático de organização administrativa...é, de um ponto de vista puramente técnico, capaz de atingir o mais elevado grau de eficiência" (10). "O mecanismo burocrático plenamente desenvolvido apresenta-se em face de outras organizações como a máquina em face de modos não-mecânicos de produção" (11). A burocracia resolve o problema, caracteristicamente organizacional, de elevar ao máximo a eficiência da organização e não apenas a dos indivíduos.

A superior eficiência administrativa da burocracia é o resultado de suas diversas características, tais como foram delineadas por WEBER. Para que um indivíduo trabalhe eficientemente, ele deve possuir as habilidades necessárias e aplicá-las racional e vigorosamente; é necessário, porém, mais que isso para que uma organização funcione com eficiência. Cada um de seus membros deve ter as habilidades necessárias à realização de suas tarefas. Este é o propósito da especialização e do emprego com base em qualificações técnicas, freqüentemente identificadas por testes objetivos. Mesmo os especialistas, entretanto, podem ser impedidos, devido ao seu 'viés' pessoal, de tomar decisões racionais. A ênfase sobre a impessoalidade visa eliminar esta fonte de ação irracional. Mas a racionalidade individual não é suficiente. Se os membros da organização tomassem decisões racionais isoladamente, seu trabalho não seria coordenado e a eficiência da organização ficaria afetada. Portanto, há necessidade de disciplina para delimitar a esfera de decisão racional, o que é feito pelo sistema de normas e regulamentos e pela hierarquia de supervisão. Além disso, 'políticas' de pessoal que permitam aos empregados sentirem segurança em seus empregos e preverem progressos na carreira, para a fiel execução dos deveres, desencorajam suas tentativas de impressionarem os superiores pela introdução de hábeis inovações que podem pôr em risco a coordenação. A fim de que essa ênfase na obediência disciplinada às normas e disposições regulamentares não enfraqueça a motivação dos empregados para dedicarem suas energias ao seu trabalho, devem ser proporcionados incentivos para a realização de esforços. As 'políticas' de pessoal, que cultivam a lealdade à organização e que proporcionam a promoção com base no mérito, desempenham essa função. Em outras palavras, o efeito conjunto das características da burocracia é o de criar condições sociais que obriguem cada membro da organização a agir de formas tais que - pareçam racionais ou não do seu ponto de vista individual - favoreçam a busca racional dos objetivos da organização.

Ainda que sem declarar explicitamente, WEBER fornece uma análise funcional da burocracia. Nesse tipo de análise, uma estrutura social é interpretada mostrando-se como cada um dos seus elementos contribui para sua persistência e operações efetivas. O interesse em descobrir todas essas contribuições acarreta, entretanto, o perigo de que o cientista possa negligenciar a investigação das perturbações que diversos elementos produzem na estrutura. Em conseqüência, a formulação weberiana pode fazer parecer que a estrutura social funciona mais suave ou facilmente do que na realidade ocorre, desde que WEBER negligencia as disrupturas que de fato existem. Para proteger-nos contra esse perigo, torna-se imprescindível ampliar a análise além da mera consideração de funções, como Roberto K. MERTON evidencia (12). O estudo das disfunções - conseqüências que interferem no ajustamento e criam problemas na estrutura - é de especial importância para evitar falsas implicações acerca da estabilidade e para explicar a mudança social (13).

O reexame da discussão precedente sobre as características da burocracia, à luz do conceito de disfunção, revela inconsistências e tendências em conflito. Se uma reservada distância caracteriza a atitude dos membros da organização, de uns para com outros, é improvável que se desenvolva entre eles um elevado esprit de corps. O exercício estrito da autoridade no interesse da disciplina induz os subordinados, ansiosos de serem altamente considerados por seu superiores, a ocultarem, destes, defeitos no trabalho, e essa obstrução do fluxo de informação 'para cima', na hierarquia, impede a administração eficiente. A insistência sobre a conformidade tende também a engendrar rigidez na conduta 'oficial' e a inibir o exercício racional de julgamento necessário para a execução eficiente das tarefas. Se as promoções são baseadas no mérito, muitos empregados não experimentam progressos em suas carreiras; se são baseadas fundamentalmente no tempo de serviço, de forma a dar aos empregados esta experiência e por esse meio encorajá-los a tornarem-se identificados com a organização, o sistema de promoção não fornece fortes incentivos para aumentar os esforços e a excelência no trabalho. Essas ilustrações bastam para indicar que o mesmo fator, que aumenta a eficiência num sentido, freqüentemente a ameaça em outro; ele pode ter conseqüências funcionais e disfuncionais.

WEBER estava bastante consciente de tais tendências contraditórias na estrutura burocrática. Mas, desde que tratou as disfunções apenas incidentalmente, sua discussão deixa a impressão de que a eficiência administrativa nas burocracias é mais aceitável e menos problemática do que na verdade o é. Em parte, foi sua intenção apresentar uma imagem idealizada da estrutura burocrática, e ele utilizou o instrumento conceptual apropriado a este propósito (...).

Dizer que há uma tendência histórica para a burocracia é afirmar que muitas organizações passam de formas menos burocráticas para formas mais burocráticas de administração (...).

Já foi mencionado que o simples tamanho estimula o desenvolvimento de burocracias, uma vez que estas são mecanismos de execução de tarefas administrativas em larga escala. A grande nação moderna ou empresa privada ou sindicato tem mais probabilidade de serem burocratizados do que os seus congêneres no passado. Mais importante do que o tamanho como tal é, no entanto, o aparecimento de problemas administrativos especiais. Assim é que no antigo Egito o complexo trabalho de construir e distribuir canais d'água através do país deu lugar à primeira grande burocracia conhecida na história. Em outros países, particularmente aqueles com extensas fronteiras a exigirem defesa, os métodos burocráticos foram introduzidos para resolver o problema de organizar um exército permanente ou efetivo e o problema correlato de arrecadar impostos com essa finalidade (...).

Uma burocracia em funcionamento aparece como bem diferente da descrição abstrata da sua estrutura formal. Muitas normas 'oficiais' são transgredidas; os membros da organização agem antes como seres humanos - com freqüência amigavelmente e às vezes de forma inoportuna - do que como máquinas impessoais desumanizadas.

Esta contradição entre as exigências 'oficiais' e a conduta real, nas burocracias, pode, porém, ser mais aparente do que real. Talvez a violação de algumas regras não tenha conseqüências para a organização, sendo as regulamentações fundamentais normalmente obedecidas. É também possível que uma atitude 'distante' ou 'impessoal' seja necessária apenas naquelas relações envolvidas no processamento das questões ou processos 'oficiais', tais como nas relações de empregados-clientes ou de subordinado-superior, ficando a informalidade pessoalizada limitada às relações entre empregados que trabalham próximos uns dos outros, mas não uns com outros, por exemplo, como acontece num grupo de trabalho de estenógrafos. Entretanto, mesmo que tais divisões nítidas entre as esferas formal e informal existissem sempre, e este não é o caso, seria ainda importante indagar se as relações informais e as práticas 'não-oficiais' têm quaisquer efeitos significativos sobre o funcionamento e a realização dos objetivos da organização (...).

Quando examinamos suficientemente pequenos segmentos de burocracias, a fim de observarmos em detalhe o seu funcionamento, descobrimos padrões de atividades e interações que não podem ser explicados pela estrutura 'oficial'. O grupo de trabalho, seja como parte das forças armadas, de uma fábrica ou do governo civil, caracteriza-se por uma teia de relações informais e um conjunto de práticas 'não-oficiais', que têm sido chamadas sua 'organização informal'. Este conceito chama a atenção para o fato de que desvios da estrutura formal consistem em padrões socialmente organizados e não meramente conseqüências de diferenças ocasionais de personalidade. Auxiliar os outros ou participar de jogos era, no Bank Wiring Observation Room, uma prática estabelecida e não uma manifestação de personalidade rebelde de um ou outro indivíduo. Variações na produtividade não eram, no caso, devidas ao fato de que a capacidade mecânica de alguns trabalhadores fosse superior à de outros e, sim, à organização social do grupo como é evidenciado pela constatação de que a produtividade estava relacionada à participação na 'clique' e não à destreza manual ou à inteligência (...).

Paradoxalmente, práticas 'não-oficiais' que são explicitamente proibidas pelos regulamentos 'oficiais' às vezes favorecem a realização dos objetivos da organização. Esta constatação decisiva suscita questões a respeito do conceito de 'organização informal' e a respeito da eficiência burocrática. Os cientistas sociais freqüentemente estabelecem uma dicotomia entre a organização informal e a organização formal, e tentam situar toda observação cm uma ou outra dessas categorias. Esse procedimento pode ser simplesmente enganoso, desde que aquela é uma distinção analítica: há, de fato, uma organização única. Quando agentes governamentais tomam decisões 'oficiais' no curso de discussões informais, sua conduta não pode ser significativamente classificada como pertencente quer à organização formal, quer à informal. Mesmo quando um trabalhador fabril trabalha mais lentamente do que poderia fazê-lo - se esteve em conformidade com normas 'não-oficiais' - seu comportamento estava influenciado também pelas exigências formais para manufaturar equipamento telefônico e usar determinados métodos de produção destinados a este fim. Os padrões 'oficiais' assim como os 'não-oficiais', e as relações sociais formais bem como as informais afetam os modos pelos quais as atividades diárias dos grupos de trabalho se tornam organizadas, mas o resultado é uma organização social cm cada grupo de trabalho e não duas (...).

As burocracias não são estruturas tão rígidas como popularmente se admite. Sua organização não permanece fixa de acordo com o quadro formal, mas evolui sempre para novas formas. Mudam as condições, surgem problemas, enquanto se enfrentam com estes, os membros da organização estabelecem novos procedimentos e transformam freqüentemente suas relações sociais, modificando a estrutura. Os padrões de atividades e interações que não foram ou, talvez, ainda não foram institucionalizados, mostram a burocracia em processo de mudança.

Algumas das práticas que surgem no decorrer das operações favorecem a realização dos objetivos da organização, enquanto outras a prejudicam. O interesse 'oficial' da organização burocrática exige que práticas deste segundo tipo sejam desencorajadas e as do primeiro tipo estimuladas. O problema administrativo consiste em conseguir isso (...).

A 'administração científica' tem procurado racionalizar a produção industrial e a administração, descobrindo e aplicando os mais eficientes métodos de trabalho (14). Estudos de tempo-e-movimento constituem uma ilustração bem conhecida dessa abordagem: os movimentos necessários aos trabalhadores mais habilidosos para realizarem uma dada tarefa no menor tempo possível são determinados, e esses movimentos precisos são ensinados a outros trabalhadores. Mas, como assinala um escritor, "os tecnólogos da administração têm sido mais bem sucedidos em demonstrar procedimentos eficientes para a produtividade máxima do que em conseguir que tais procedimentos sejam aceitos pelos trabalhadores" (15). Esse fracasso da 'administração científica' foi o resultado inevitável da sua pressuposição - mais evidente nos sistemas de incentivos salariais 'científicos' - de que apenas interesses econômicos racionais governam a conduta dos empregados, bem como da sua negligência dos fatores sociais. Administrar uma organização social segundo critérios puramente técnicos de racionalidade é irracional por ignorar os aspectos não racionais da conduta social.

De um ponto de vista abstrato, o método mais racional para obtenção de uniformidade e coordenação numa ampla organização parecia ser inventar procedimentos eficientes para toda tarefa e insistir em que eles fossem estritamente adotados. Na prática, entretanto, tal sistema não funciona eficazmente por várias razões. Uma delas é que ele admite implicitamente que a administração é onisciente. Nenhum sistema de regras e de supervisão pode ser tão minuciosamente detalhado de modo a prever todas as exigências ou necessidades que possam aparecer. Mudanças em condições externas criam novos problemas administrativos e as próprias inovações introduzidas para resolvê-los têm freqÜentemente conseqüências imprevistas, que produzem novos problemas. Por exemplo, os entrevistadores de uma agência pública de empregos foram avaliados na base do número de candidatos a empregos que eles entrevistavam por mês. Como os empregos se tornavam raros após a II Guerra Mundial, os entrevistadores, induzidos por este método de avaliação do seu trabalho, tenderam a dispensar clientes para os quais os empregos não podiam ser rapidamente localizados. No interesse da eficiência da agência de empregos, foi necessário desencorajar tais tendências. Com este objetivo, um novo método de avaliação, baseado fundamentalmente no numero de pretendentes colocados em empregos, foi instituído. Essa inovação motivou os entrevistadores a exercerem maiores esforços para encontrar empregos para os clientes, mas também deu origem à competição, entre eles, pelos róis de vagas de empregos, que os entrevistadores às vezes chegavam a esconder uns dos outros; e essas práticas competitivas constituíram em novo obstáculo a operações eficientes. Como reação a esse novo problema, o grupo mais coeso de entrevistadores desenvolveu normas operativas e suprimiu, com total sucesso, as tendências competitivas, com o resultado de ter sido aumentada a eficiência produtiva (16). A não ser que os membros da organização tenham liberdade e iniciativa para lidar com os problemas ligados às suas atividades, quando estes surgem, a eficiência sofrerá.

Além disso, tais barreiras à eficiência do trabalho não podem ser erradicadas por decreto 'oficial'. É este o caso no que diz respeito às ansiedades e sentimentos de anomia (estado de quem se sente isolado e desorientado), que surgem freqüentemente nos mais baixos escalões das hierarquias burocráticas. Relações informais nos grupos de trabalho coesos reduzem tais tensões disruptivas. Mas uma vez que existam grupos coesos no interior de uma burocracia, (...) eles desenvolverão seus próprios padrões de conduta e os imporão aos seus membros. A eficiência administrativa não pode ser promovida ignorando-se o fato de que o rompimento dos indivíduos é afetado pelas relações destes com colegas; mas, sim, tomando-se conhecimento deste fato e procurando criar, na organização, aquelas condições que conduzem a práticas 'não-oficiais' que mais favoreçam do que prejudiquem a realização dos objetivos da organização.

Finalmente, numa cultura democrática, onde a independência de ação e a igualdade de status são altamente valorizadas, regras detalhadas e supervisão rígida provocam ressentimento; e empregados ressentidos estão muito pouco motivados a desempenharem seus deveres dedicada e ativamente. Existe um acentuado contraste entre a disciplina rigorosa que os empregados voluntariamente impõem a si próprios, por compreenderem que seu trabalho requer padrões rígidos de execução, e a constante irritação por serem tolhidos por regras pouco importantes, que encaram como arbitrariamente impostas a eles. Os membros de uma agência federal, por exemplo, reclamavam freqüentemente por terem que preencher formulários precisamente como todos nós fazemos; e também contra outras regras internas de importância secundária. Aceitavam, porém, livremente, a disciplina muito mais rigorosa de observar rigidamente, em suas investigações, as regulamentações legais - o que necessitaria da própria imposição legal. Reprimir a capacidade de auto-disciplina e solapar a motivação ao exercício de esforços, quando se prescreve em detalhes como deve ser realizada cada tarefa, é desperdício, para dizer o menos. Um método mais eficiente de administração burocrática consiste em canalizar essa capacidade e motivação, a fim de aproveitá-las para os fins da organização.

Essas considerações sugerem uma revisão do conceito de estrutura burocrática. Ao invés de considerá-la um sistema administrativo com características específicas, pode ser preferível seguir uma outra indicação de WEBER e, então, conceber a burocracia em termos dos seus propósitos. Burocracia, então, pode ser definida como a organização que eleva ao máximo a eficiência em administração, quaisquer que sejam suas características formais; ou como um método institucionalizado de organização da conduta social no interesse da eficiência administrativa. Com base nesta definição, o problema de central importância é o da rápida remoção dos obstáculos às operações eficientes, os quais aparecem de modo recorrente. Como sugere a discussão precedente, isso não pode ser conseguido com um sistema preconcebido de procedimentos rígidos; mas, sim, pela criação de condições favoráveis ao contínuo desenvolvimento adaptativo da organização. Para estabelecer tal padrão de auto-ajustamento numa burocracia, é preciso que prevaleçam condições que encoragem seus membros a enfrentarem os problemas que surgem e a encontrarem o melhor método de produzirem resultados específicos por sua própria iniciativa, e que evite práticas 'não-oficiais' que contrariem os objetivos da organização como, por exemplo, as que levam à redução do rendimento do trabalho (...).

Notas

1 Peter M. BLAU, "Bureaucracy in Modern Society". Randon House, Nova York, 1962, pp 20-61. Tradução de Maria Cecília F. Donnangelo.

2 Veja-se Kenneth BOULDINO, "Te Organizational Revolution". Harper & Brothers. Nova York. 1953.

3 Tipo de associação comum entre alunos e ex-alunos universitários norte-americanos (N. do T.).

4 Observação: "WEBER trata do burocracia como o que ele designa um 'tipo ideal'. este conceito metodológico não representa uma média dos atributos de todas as burocracias existentes (ou outras estruturas sociais), mas um tipo puro, resultante da apreensão, por abstração, dos aspectos burocráticos mais característicos de todas as organizações conhecidas. Desde que a burocratização perfeita nunca é completamente realizada, nenhuma organização empiricamente constatável corresponde cientificamente a essa construção cientifica" (Peter M.Blau, ob.cit. p. 34). (N. dos Orgs.).

5 "From Max Weber: Essays in Sociology", tradução de H. H. Gerth e C. Wright Mills. Oxford University Press. Nova York. 1946. p. 196.

6 Max WEBER. "The Theory of Social and Economic Organization". trad. de A. M. Hendersone e Talcott Parsons, Oxford University Press, Nova York, 1947, p. 331.

7 Ibid, p. 330.

8 Ibid, p. 340.

9 Ibid, 334.

10 Ibid. p. 337.

11 "From Max Weber: Essays in Sociology", ob. cit., p. 214.

12 Robert K. MERTON, "Social Theory and Social Structure, Free Press, Glencoe, 1949, pp. 21-81.

13 Para uma discussão geral da análise funcionalista, veja-se Ely CHYNOY, "Sociologiscal Perspective: Basic Concepts and Their Application" (Studies in Sociology), Random House, Nova York, 1954, cap. 5.

14 Veja-se Frederick W.Taylor, "The Principles of Scientific Management", Haper & Brothers, Nova York, 1911.

15 Wilbert E. Moore, "Industrial Relations and the Social Order" Macmillan Company, Nova York, 1947, p. 190.

16 Para uma ampla discussão deste caso, veja-se Peter M.Blau, "The Dynamic of Burocracy". University of Chicago, 1955, pp 49-67.

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